17 dezembro 2005

História de pescador 1 (Parte 2 de 2)

Seu Chico sempre foi franzino com um pouco mais de 1,60m de altura, mas muito esperto de pensamento. E tem a qualidade de ser calmo, às vezes até demais. Nessa hora, por exemplo, procurou se mexer o mínimo possível, para evitar um puxão mais forte na linha que prendia sua mão. Temia que o arpão não estivesse bem preso e a garoupa escapasse. Deixou que ela o conduzisse toca adentro. A idéia dele era encurralar o peixe e pegá-lo na unha se fosse o caso. De nenhuma maneira queria que ela fugisse, pois iria dar um bom caldo com pirão.

Talvez esse tenha sido o erro do seu Chico. Não sabia o que lhe aguardava na toca. Como é de costume ele dizer: "a garoupa é um peixe sozinho", e são raras às vezes que divide a moradia com outros peixes. A toca ficava mais estreita à medida que se aproximava do seu final, e quando o pescador pensou em se soltar da linha para depois cercar o peixe, não conseguiu. Para complicar a situação aconteceu algo que ele nunca soube explicar. Foi como se ela tivesse se apavorado. "Num instantinho" começou a fazer o caminho inverso em direção à saída, deu uma guinada de 180 graus, passando por baixo dele, no sentido da cabeça para os pés.

Nesse exato momento, a ponta do arpão lhe feriu a mão, do dedo até o punho, arrancou sua máscara de mergulho e por pouco não o abriu de fora a fora. Para os mais curiosos, ele mostra a cicatriz e diz ter sido ela que o salvou. O peixe havia deixado aquela marca, é verdade, mas o tinha libertado, pois a linha que o prendia pela mão havia sido cortada. A garoupa também se livrou do arpão alguns metros depois. Na fuga, ela o enroscou nas pedras, o deixando fincado na entrada da toca. Seu Chico diz que foi de propósito: "Até hoje ele está lá e é um aviso para ninguém chegar perto".

Como tinha perdido a máscara, o pescador não viu direito o que assustou a garoupa. Sempre que chega nessa parte da história muda o tom da voz, os olhos param no vazio e ele fica muito sério, com o rosto pálido, como se ainda estivesse lá dentro da toca. Ele conta que parecia ser um peixe bem grande, com quase o dobro do tamanho da garoupa. Bem que tenta dizer isso sem demonstrar medo, mas sua atitude o denuncia. Não se atém muito a detalhes, procurando logo dar continuação à narrativa.

Tratou de sair ligeiro da toca, também porque o fôlego já estava no fim. Precisava voltar o mais rápido possível à superfície e quando estava quase perto de respirar novamente, sentiu um puxão no seu pé. Em reação, lembra de ter chutado alguma coisa por puro instinto, livrando-se. Depois de ter conseguido colocar a cabeça para fora da água, nadou apressadamente até a bateira, subiu, remou, remou, remou e não olhou mais para trás. Seu Chico conta que voltou anos mais tarde àquela pequena baía, formada pelo costão, e encontrou de novo a garoupa. A reconheceu pelo pedaço que faltava na cauda, seqüela do ferimento causado pelo arpão. Dessa vez, ele manteve distância, por respeito e precaução.

História de pescador 1 (Parte 1 de 2)

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