21 abril 2006

VIVÍAMOS EM ÁRVORES


Num programa de televisão de São Paulo a apresentadora anunciava a sua surpresa por ter visitado o "Sul" pela primeira vez e não ter encontrado ninguém em cima de cavalo e todo pilchado. Uma vez em plena Avenida Paulista alguém me perguntou como era viver nos anos 50.
- Vivíamos em árvores, respondi. Falávamos por sons guturais e batíamos no peito.
Ele quase acreditou. É impressionante o mal que fez o movimento nativista para a porção urbana majoritária dos riograndenses.

Nas memórias de João Neves da Fontoura, o grande tribuno da revolução de 30, Porto Alegre do início do século é descrita como uma cidade de efervescência cultural e política. Érico Verissimo, na Editora Globo, editou Virginia Wolf quando ela era ainda quase desconhecida na Inglaterra. Hoje se admite, que, vá lá, Porto Alegre até que é uma cidade como as outras, não tem grosso raspando esporas no meio da rua (a não ser para fingir que é gaúcho; costumo dizer aos portoalegrenses: gaúcho, só quem nasceu do rio Ibicuí para baixo). Já o interior...

No final do século 19, minha cidade, Uruguaiana, dispunha de uma rua só de casas comerciais com produtos europeus. No teatro, se apresentavam as companhias que vinham de Montevidéu e Buenos Aires. O futebol ganhou raízes lá graças à linha de trem, que ligava as capitais do Prata à fronteira e trazia os ingleses ruins de bola. O clube que tem o nome da cidade é de 1912.

Concebida pela engenharia militar, Uruguaiana é uma cidade projetada, com largas ruas e calçadas. Nas minhas visitas periódicas que tenho feito sempre em novembro, época da feira do livro, redescubro a função da calçada larga: o convívio humano. Nelas dá para conversar enquanto as outras pessoas passam. É óbvio, mas não para quem esqueceu, perdido numa megalópole onde calçada é reduto de automóveis.

Na foto antiga que estou postando, vemos uma cena dos anos 40, com grande quantidade de carros (ok, ok, tem algumas carroças). Chovo no molhado aqui neste blog, feito por pessoas que vivem abaixo do rio Pinheiros (para o Paulista, o limite da civilização; cruzando o rio poluído, é tudo Gramado ou Porto Alegre). Mas é bom dizer que Uruguaiana, por ficar na fronteira com dois países, e ser rota de passagem de farto turismo internacional (tudo bem, a maioria são de argentinos), e por preservar sua geografia urbana, é um caso especial, não só para os nativos, mas para todos que a conhecem ou querem conhecer.

Cavalo? Quando montei um, senti vertigem. Me tirem de cima daqui! implorou o urbanóide. Árvores? No pampa (que fica fora da cidade), há a vegetação na beira dos arroios e só de vez em quando o descampado revela uns tufos de umbu, bons para sombra, onde se toma o chimarrão. A cidade é toda arborizada, graças à gestão de dois prefeitos trabalhistas dos anos 50. Nelas fazíamos a festa. Pensando bem, vivíamos mesmo em árvores, pelo menos naquela infância.

Um comentário:

Marco Aurélio disse...

Nei

Belo Poema sobre tiradentes. Como adquirir o seu livro No Mar, Veremos? Será um prazer se colocar mais alguns de seus poemas lá no Boatemática.

Um abraço

Marco Aurélio