(...) Em menos de vinte anos, os igarapés de Manaus tornaram-se canais poluídos onde nem um louco ousaria banhar-se. No entanto, nos anos 60, até os moradores do hospício de Flores freqüentavam os balneários públicos da cidade. Fugiam do inferno para nadar e mergulhar.Do texto Rios da nossa aldeia, por Milton Hatoum, autor dos romances Dois Irmãos, Relato de um Certo Oriente e Cinzas do Norte.
Lembro da tarde em que um dos fugitivos foi capturado no balneário 15 de Novembro. Ele estava nu, brincando nas águas escuras e limpas do igarapé. Ria de tanta liberdade, os braços erguidos para o céu cheio de nuvens espessas como se fossem blocos de mármore. (...)
Paisagens vivas da cidade, esses caminhos de água foram fontes de prazer, leitos aquáticos de experiência erótica e encontro carnal. Na minha memória, o primeiro encontro com uma mulher aconteceu num desses balneários escondidos, quase clandestinos numa cidade ainda pequena e provinciana.
Namoramos no rio, brincamos até o sol da tarde esquentar a água e a areia. Um namoro com tantos volteios e imersões... Amor sem palavras, como se fôssemos estranhos ou mudos... Depois deitamos no areal próximo da floresta e mergulhamos no sono de quem se esquece do mundo. No fim da tarde ela já não estava mais comigo. (...)
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Em tempo: Relato de um certo Oriente é um livro maravilhoso, que bate forte na alma de nômades como eu. Li também Cinzas do Norte e gostei muito.
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